joão miguel ♛

sábado, 25 de fevereiro de 2012

 Chamadas Perdidas 5#
Sonhos repetidos a mil, recordações guardadas a sete chaves, gestos tão bem relembrados e um montinho imenso de chamadas perdidas, é tudo o que tenho por agora. Isso e o mar imenso de questões que me entregaste de bandeja na mão. (…) Bom dia, são sete horas em ponto no relógio do meu telemóvel, e a noite resumiu-se à segunda pessoa do singular. « Tenho de me despachar. » disse para mim mesmo como um incentivo para sair do quentinho acolhedor que me colava todas as manhas na cama. Levantei-me e a casa já estava completamente deserta, devagar abri a persiana e mal me virei escarrapachei com o papel cor de caramelo, estava tão brilhante, tão magnífico, tão perfeito que só tornava cada palavra com mais incógnitas. Ignorei. Corri já atrasado para a casa de banho, rotina diária, e quando já nada havia a fazer, pus-me em frente ao espelho o único que todas as manhãs me ouvia resmungar o quão horroroso estava o meu cabelo ou facto de a roupa me ficar pessimamente, o único que sabia de todas as minhas perguntas sem resposta, o único que me conhecia como mais ninguém. São precisamente sete horas e quarenta e dois minutos e o autocarro passa daqui a meia dúzia. « com calma. » pensei. Pus os auscultadores, volume no máximo. Tirei um cigarro, acendi. Agarrei a mala, tirei a chave. Fechei a porta e corri para não perder o autocarro. (…) Malditas aulas que se resumem a uma constante repetição de toda a matéria que já demos, e que passamos o tempo a pensar « mas para que é que isto nos vai servir? », malditos os minutos que passam como horas, malditas as tuas chamadas que não voltei a receber a manha inteira. « Podem sair. » disse a voz de quem mais ordena. Saí porta fora e marquei o teu número sem hesitar. « Estou? » disseste ainda meio ensonada. « sim. não ligaste hoje, que se passou ? », « diz-me antes que achas-te do que viste ontem. », « foi… quer dizer não percebi bem, está bonito, foste tu?», « Claro que fui estúpido, lê com atenção, vais perceber. » PI PI PI, chamada perdida. Corri de novo para casa, como se tudo não se tratasse de um enorme castigo, para mim, algo que não podia esperar. (…) abri a porta e corri na direcção onde teria visto o papel pela ultima vez, esta manhã, em cima da minha fiel secretária. « cá está ele. » sorri. Sentei-me e voltei a ler, uma e outra vez, e outra, e outra… NADA, não me ocorria nada, era como se não soubesse sequer ler. Voltei a ligar-te. « estou, não percebo nada, explica-me. », « aish vai com calma. Lê com atenção. », « já li, aliás já o sei de cor e salteado. » , « tenho dito, lê com os olhos, analisa com o coração. » PI PI PI.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

« Perdi. »
Perdi, o teu último nome e o teu amor. Perdi os sonhos e a carrada de promessas de que me enchias. Perdi o teu reflexo no esplêndido rio e nele se foi o cheiro do doce perfume que te banhavas. Afoguei as imensas fotografias e foi então que perdi parte de ‘nós’, perdi o ‘tu’. Perdi o sorriso e nele ficou um rosto pálido, uma expressão sem sentido, um olhar sem brilho. (…) Guardei as mentiras. Guardei os momentos. Guardei tudo o que aprendi e com isto troquei o fio do amor pelo da amizade. Entreguei a coroa ao próximo pretendente e com isto deixei-te o trono vazio. Se vossa alteza pretende outro alguém, ao menos que seja ‘ outro alguém ‘ que possa dar mais que aquilo que eu dei. Desde já vos digo que me sinto orgulhoso de toda a minha carreira enquanto dono anónimo de seu coração e que tudo o resto ficará guardado ou até perdido, no imenso fio que criámos juntos. Tenho outro alguém chamando por mim, gritando o meu nome ruim de se ouvir e que presumo, ser irreconhecível perante sua pessoa. Não o prendo mais, seria abuso meu roubar-lhe o precioso tempo que tem, temo até que já tenha gasto demais, mas mais uma vez peço desculpa. Esperai, é a ultima coisa, sabe que me mete mais raiva ? Não foi o facto de o ter deixado escorregar por entre os dedos, foi somente por, escorregar e cair, cair nos braços de ‘outro alguem’. É tudo.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

 « Dias, horas, minutos, segundos, quem és? »
É de manhã que se começa o dia, outro dia, só assim para variar, como se tudo o resto não se tratasse do mesmo desinteressante facto de ser um dia, mais vinte e quatro horas, envoltas em minutos, recheadas de segundos, cada um mais agoniante que o outro. TIC TAC TIC TAC. O ano inteiro suando a mesma irritante melodia, sentimentos de quem te espera diante do imenso oceano. Espero ver-te um dia, mas que dia? Glorificada pelo sol, Invejada pelas estrelas, despida pela lua, abraçada pelo mar, perfumada pela terra. (…) Quem és tu bonita donzela que se digna a tapar o tão profundo oceano? Vens graciosa sobre o azul do céu, despes-te na luminosidade do dia e VOILÀ, desapareces por entre a água cristalina que tão bem conheces. Espectadores não faltam, beleza muito menos, teu corpo moreno faz o mais perfeito contraste na areia branca, que se afeiçoa tão delicadamente a todo o teu ser, como se tivesse a tão imensa vontade que eu tenho de apenas te poder tocar, mas quem és tu bonita donzela que invade os meus sonhos? Seria um prazer eterno poder apenas saber quem és, por somente perceber o porquê de me chamares de ‘teu’ em todos os sonhos, mas quem és, minha donzela?

domingo, 5 de fevereiro de 2012

 Chamadas Perdidas 4#
Sempre soube que nascemos com um único destino. Morrer. Verdade seja dita. Mas todos sabemos também que boa não é a sensação de que vamos morrendo aos poucos, asfixiados pela sobrevivência, que enche o ar de veneno tão viciante quanto as tuas chamadas, aquelas que esperava debruçado sobre o parapeito da janela, noites a fio, como um ritual tão melancólico quanto as palavras soltas que saiam aconchegadas do denso fumo do cigarro que ardia até embater no imenso chão. « Prazer. » susurrei à noite. « Poder. » pedi à Lua. « Amor. » gritei, numa tentativa estúpida de que ouvisses. E como se já fosse comum, olhei para o relógio que marcavam vinte e três horas e cinquenta e sete minutos, e suspirando, atirei o cigarro enquanto a noite sumia como se nunca lá tivesse estado. « Eu ainda te amo. » ouvi da escuridão, escuridão essa que me enchia o subconsciente, trazendo a mais bonita voz que alguma vez ouvirei. Embalado pelo sono, ainda marquei o teu número, numa tentativa de te conseguir ouvir, majestosa e serena, dona de si e dos que te rodeiam. PI PI PI, chamada perdida. Rejeitas-te com a maior das friezas, mas rejeitas-te. Imagino-te de queixo erguido, sentada na poltrona de que tanto te orgulhavas, aquela onde antigamente rabiscavas doces palavras, que juntas, lhe chamas de poemas,  aqueles que mal me deixavas ler dizendo seres dona de um imenso potencial que escondias de toda viva alma. E eu, eu estava aqui, a rabiscar a nossa história, enfeitando-a tão bem quanto podia. (…) « acorda. vai-te deitar.. », tinha adormecido sobre o meu companheiro, sobre o escritor que só a mim me obedecia. Agarrei no telemóvel, o qual teria caído quando os meus olhos imploraram descanso. « Uma chamada perdida. », piscava irritantemente no estúpido ecran, sim, eras tu, e agora ? eram três horas e quarenta e dois minutos, mas admito, não resisto em ligar-te, vá. (…) « Estou. Ligas-te? », áspero e tirano como a muito não o era. « sim. tenho algo que te quero mostrar. Pagina sessenta e nove do teu livro de matemática. » e puff, chamada perdida. (…) Corri furiosamente a procura do livro, vasculhava a imensa prateleira que julgava não ter nada de útil, passei a casa a pente fino e juntei todos os bocadinhos de escola espalhados e o livro, nada. « BURRO, ESTUPIDO, IGNORANTE. » gritei comigo mesmo, quando deparei com o livro mesmo em cima da secretaria, a qual me deixei de dormir. Sacudi o livro, e suave como uma pena, caiu um bocado de papel, cor de caramelo, rigorosamente dobrado, como uma letra que me fascinava, tão bem desenhada, tão bem centrada, inspirei, e foi então que comecei:

« Bendito sejas, sangue que vagueia
Bombardeado por alma alheia,
Onde coração mole se enterra
Em corpo de pessoa e meia. »


Okay, voltei então a encher-me de perguntas, mas o sono era mais forte que qualquer outra coisa, e como se não bastasse, apoderou-se de mim melhor que ninguém.