Chamadas Perdidas 5#
Sonhos repetidos a mil, recordações guardadas a sete chaves, gestos tão bem relembrados e um montinho imenso de chamadas perdidas, é tudo o que tenho por agora. Isso e o mar imenso de questões que me entregaste de bandeja na mão. (…) Bom dia, são sete horas em ponto no relógio do meu telemóvel, e a noite resumiu-se à segunda pessoa do singular. « Tenho de me despachar. » disse para mim mesmo como um incentivo para sair do quentinho acolhedor que me colava todas as manhas na cama. Levantei-me e a casa já estava completamente deserta, devagar abri a persiana e mal me virei escarrapachei com o papel cor de caramelo, estava tão brilhante, tão magnífico, tão perfeito que só tornava cada palavra com mais incógnitas. Ignorei. Corri já atrasado para a casa de banho, rotina diária, e quando já nada havia a fazer, pus-me em frente ao espelho o único que todas as manhãs me ouvia resmungar o quão horroroso estava o meu cabelo ou facto de a roupa me ficar pessimamente, o único que sabia de todas as minhas perguntas sem resposta, o único que me conhecia como mais ninguém. São precisamente sete horas e quarenta e dois minutos e o autocarro passa daqui a meia dúzia. « com calma. » pensei. Pus os auscultadores, volume no máximo. Tirei um cigarro, acendi. Agarrei a mala, tirei a chave. Fechei a porta e corri para não perder o autocarro. (…) Malditas aulas que se resumem a uma constante repetição de toda a matéria que já demos, e que passamos o tempo a pensar « mas para que é que isto nos vai servir? », malditos os minutos que passam como horas, malditas as tuas chamadas que não voltei a receber a manha inteira. « Podem sair. » disse a voz de quem mais ordena. Saí porta fora e marquei o teu número sem hesitar. « Estou? » disseste ainda meio ensonada. « sim. não ligaste hoje, que se passou ? », « diz-me antes que achas-te do que viste ontem. », « foi… quer dizer não percebi bem, está bonito, foste tu?», « Claro que fui estúpido, lê com atenção, vais perceber. » PI PI PI, chamada perdida. Corri de novo para casa, como se tudo não se tratasse de um enorme castigo, para mim, algo que não podia esperar. (…) abri a porta e corri na direcção onde teria visto o papel pela ultima vez, esta manhã, em cima da minha fiel secretária. « cá está ele. » sorri. Sentei-me e voltei a ler, uma e outra vez, e outra, e outra… NADA, não me ocorria nada, era como se não soubesse sequer ler. Voltei a ligar-te. « estou, não percebo nada, explica-me. », « aish vai com calma. Lê com atenção. », « já li, aliás já o sei de cor e salteado. » , « tenho dito, lê com os olhos, analisa com o coração. » PI PI PI.